Como superar “Vale da Desilusão” e extrair valor real da IA?

Por Leandro Saran*
A Inteligência Artificial Generativa conquistou o mundo corporativo com promessas extraordinárias, mas muitas organizações agora se encontram no “Vale da Desilusão”. O termo criado pelo Gartner – empresa de consultoria e pesquisa de TI que fornece insights e orientação para empresas – para ilustrar o fenômeno caracterizado por expectativas inflacionadas, seguidas de resultados decepcionantes, que tornou-se o pesadelo dos CIOs e está influenciando diretamente as decisões de investimento em tecnologia.
O cenário atual: entre a decepção e a oportunidade
As aquisições de soluções se multiplicaram, mas os resultados concretos permanecem escassos. Estudos recentes do Gartner apontam que, embora 90% dos entrevistados afirmem que suas compras de software incluíam capacidades de GenAI, apenas 25% relataram ter alcançado resultados de negócios de alta qualidade com essas aquisições. Esta disparidade revela um problema fundamental: a tecnologia avançou, mas a estratégia de implementação não acompanhou esse ritmo.
O dilema atual dos líderes de tecnologia é complexo: quem hesitar demais pode ficar para trás na corrida pela inovação, mas investimentos precipitados podem prolongar a permanência no “Vale da Desilusão”. A chave para atravessar este momento crítico está na compreensão dos erros do passado e na adoção de novas abordagens.
Por que chegamos ao vale?
A velocidade da evolução tecnológica transformou “eras” em trimestres. As primeiras implementações de IA Generativa, realizadas há apenas um ou dois anos, já estão superadas. Os testes iniciais concentraram-se principalmente em assistentes de IA genéricos, enquanto hoje dispomos de agentes especializados, Small Language Models e outras tecnologias que proporcionam resultados significativamente superiores.
Outro fator determinante foi a forma de comercialização da IA Generativa predominantemente como produtos prontos. Por serem limitados pelas capacidades das IAs abrangentes, tornaram-se semelhantes entre si e não conseguiram atender às expectativas específicas das empresas. O resultado foi uma onda de insatisfação que alimentou o ceticismo atual.
Como superar o “Vale da Desilusão”?
1. Trabalhar melhor os dados
Os dados são o alicerce de qualquer implementação de IA bem-sucedida. A aplicação de Synthetic Data (dados sintéticos) tem se mostrado uma abordagem eficaz para extrair resultados superiores. Um exemplo ilustrativo é o serviço desenvolvido para uma empresa líder no mercado de benefícios, que buscava aprimorar seu processo de atendimento ao cliente. Ao utilizar dados sintéticos gerados e gerenciados estrategicamente, foi possível treinar modelos de IA com maior precisão e relevância para o contexto específico do negócio.
2. Adotar modelos de linguagem especializados por domínio
O paradigma está mudando. Ao invés de assistentes genéricos, a nova abordagem envolve diversos agentes especializados, cada um com foco em uma área específica, trabalhando colaborativamente com humanos. Esta transição de assistência para autonomia direcionada é fundamental para alcançar a verdadeira velocidade que a tecnologia pode proporcionar.
3. Considerar o processo como um todo
Implementações isoladas podem criar novos gargalos. Um exemplo ilustrativo é o caso de uma empresa que aplicou IA em apenas uma etapa do desenvolvimento, resultando em equipes ociosas em outras fases do processo. A visão holística é essencial para garantir que a cadeia de valor seja aprimorada de ponta a ponta.
4. Recalibrar os indicadores de sucesso
Um dos principais equívocos nas primeiras ondas de adoção de IA foi a obsessão com métricas convencionais de produtividade. A realidade é mais complexa: Produtividade não é suficiente para mensurar resultados de IA.
Em um caso emblemático, uma empresa implementou soluções de IA e reduziu uma jornada de 8 horas para o equivalente a 5 horas. No entanto, apenas 25% do tempo economizado (aproximadamente 1,7 horas) foi direcionado para melhorias do processo core. O restante foi utilizado para outras atividades que, embora não impactassem diretamente o processo original, geraram valor de outras formas: criação e execução de novas iniciativas, desenvolvimento individual e melhoria da qualidade de vida dos colaboradores.
O retorno do investimento em IA raramente vem da redução de equipe. Pelo contrário, 50% dos negócios que implementaram IA adequadamente aumentaram seu quadro de funcionários. Quando posicionada estrategicamente, a IA permite expandir o negócio, multiplicar oportunidades, elevar a qualidade do serviço (resultando em maior retenção de clientes), ajustar preços ou fortalecer outras áreas da organização. O ROI não deve ser medido apenas em economia direta, mas em crescimento e criação de valor.
O papel central do CIO
Neste cenário desafiador, o CIO assume protagonismo nas transformações digitais, com impacto direto nos resultados de negócio. Sua capacidade de navegar pelo “Vale da Desilusão”, identificando serviços ou produtos de IA que realmente agregam valor, será determinante para posicionar a organização na vanguarda da próxima onda tecnológica.
A travessia do “Vale da Desilusão” não é apenas um desafio técnico, mas uma oportunidade de repensar como as organizações percebem, implementam e mensuram o valor da inteligência artificial. Aqueles que conseguirem fazer essa transição não apenas sobreviverão ao vale, mas emergirão dele com vantagens competitivas significativas.
*Leandro Saran é COO da Objective.